Tribunais reconhecem a não incidência de ICMS sobre encargos de energia elétrica


Consumidores obtêm resultados favoráveis perante o Poder Judiciário para reduzir o valor do ICMS sobre suas contas de energia elétrica. Os tribunais brasileiros têm reiteradamente proferido decisões favoráveis para afastar encargos de energia elétrica — Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust) e Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd) da base de cálculo do ICMS.

A partir da década de 1990, o setor elétrico brasileiro sofreu profundas mudanças visando maior eficiência e autonomia. O resultado dessas reformas foi a separação dos segmentos de geração, transmissão e distribuição da energia. Desde então, esses segmentos passaram a ser administrados por agentes específicos.

A comercialização da energia elétrica é submetida a regulação estatal. A geração, transmissão e distribuição de energia elétrica são reguladas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sendo que a legislação aplicável estabelece, basicamente, dois tipos de consumidores de energia elétrica: consumidores cativos e consumidores livres[1].

Os consumidores cativos adquirem energia de um distribuidor local de forma compulsória, sujeito a tarifas regulamentadas. Os consumidores livres, por sua vez, podem contratar a compra de energia diretamente de geradores, comercializadores ou importadores desse bem, por meio de negócio jurídico[2] realizado no Ambiente de Contratação Livre (ACL).

Os consumidores livres, quando conectados à rede básica, deverão celebrar os seguintes contratos: (i) contrato de compra e venda de energia elétrica; (ii) contrato de Conexão ao Sistema de Transmissão (CCT); e Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (Cust). Por outro lado, quando conectados ao Sistema de Distribuição, deverão celebrar os seguintes contratos: (i) contrato de compra e venda de energia elétrica; (ii) Contrato de Conexão ao Sistema de Distribuição (CCD); e (iii) Contrato de Uso do Sistema de Distribuição (Cusd).

Em decorrência dos contratos de transmissão ou distribuição, os consumidores livres estão sujeitos ao recolhimento dos encargos denominados de Tust (recolhida em virtude da formalização do Cust) e Tusd (recolhida em virtude da formalização do Cusd).

Muito embora essas tarifas não se confundam com a mercadoria para fins de tributação do ICMS, os estados têm incluído a Tust e a Tusd na base de cálculo do ICMS, com fundamento nos Convênios ICMS 117/2004[3] e 95/2005. Referidas normas determinam que o consumidor livre é o responsável pelo pagamento do ICMS devido na transmissão e distribuição dos serviços de fornecimento de energia elétrica. Entretanto, referida cobrança não tem amparo legal ou constitucional.

De acordo com a Constituição Federal, o ICMS é um imposto incidente sobre as operações relativas à circulação de mercadorias (e serviços de transporte e comunicação), nos termos do artigo 155, inciso II.

Como se nota da determinação constitucional, existem três vocábulos que definem a incidência do ICMS: operação, circulação e mercadoria. A palavra operação se refere a uma transação mercantil, e não a uma simples compra e venda. A circulação, por sua vez, sugere a transferência de propriedade, não bastando o mero deslocamento físico do bem para que seja caracterizada a circulação. Por fim, a acepção de mercadoria implica uma relação negocial por quem exerça mercancia com habitualidade.

Muito bem. A energia elétrica foi considerada mercadoria para fins de incidência do ICMS pela Constituição Federal, conforme interpretação do artigo 155, parágrafo 2º, inciso x, alínea “b” e parágrafo 3º[4].  Por sua vez, a legislação tributária nacional em vigor (artigo 12, inciso I, da Lei Complementar 87/1996) prevê expressamente que o fato gerador do ICMS ocorre com a saída de mercadoria do estabelecimento do contribuinte e que o imposto deve ser exigido quando ocorrer a efetiva transferência de titularidade da mercadoria com a respectiva entrega definitiva do bem ao seu destinatário.

Por esse motivo, para que possa ocorrer a exigência do imposto estadual sobre o fato gerador de energia elétrica, deve-se identificar a ocorrência da situação que se caracteriza juridicamente como uma operação relativa à energia elétrica. Assim, para exigência do ICMS, deve haver o caráter negocial, a transferência da propriedade e a existência de uma mercadoria.

Como um dos aspectos da hipótese de incidência do ICMS sobre a energia elétrica é o efetivo consumo pelo destinatário, os negócios alheios e os custos relativo ao fornecimento da energia elétrica não podem compor a base de cálculo do tributo. A transmissão e distribuição da energia são etapas na cadeia de fornecimento de energia.

Dessa forma, não é possível equiparar os encargos de distribuição e transmissão pagos pelos consumidores livres a uma mercadoria, na medida em que não se confundem com a venda da energia, sendo apenas etapas necessárias ao fornecimento de energia elétrica.

Além disso, a comercialização da energia ocorre entre produtor e consumidor, enquanto a transmissão e a distribuição são apenas atividades-meio, que têm como objetivo viabilizar o fornecimento da energia elétrica pelas geradoras aos consumidores finais (atividade-fim). Portanto, transmissão e distribuição de energia não se tratam de “circulação de mercadoria”.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-nov-22/tribunais-reconhecem-nao-incidencia-icms-encargos-energia-eletrica

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