A relevância do Conselho Nacional de Justiça

Ives Gandra da Silva Martins (Advogado. Doutor em Direito. Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária.)

Quando da discussão da Emenda Constitucional nº 45/05, antes da formulação do anteprojeto e durante sua tramitação no Congresso, combati o denominado controle externo da magistratura em artigos e em audiência pública para a qual fui convidado pelo então presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador Bernardo Cabral. Nela, expressei meus receios, estando presentes os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio de Mello, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Costa Leite, e, representando o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o ministro Almir Pazzianotto e meu filho, ministro Ives. Meu argumento foi de que a sociedade não poderia, por meio de poder político, controlar um poder técnico.

O ex-ministro da Justiça, Saulo Ramos e eu proferimos, inclusive, uma palestra, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), explicitando a mesma ideia de não ser eficaz, nem desejável, o controle externo. Lembramos, também, pesquisa do jornal Le Monde que colocava o Poder Judiciário, na França, como o menos confiável, atribuindo ao povo o controle externo de tal inconfiabilidade.

A Emenda Constitucional nº 45/04, todavia, não estabeleceu um controle externo da magistratura, mas sim um controle interno mais eficiente (com nove magistrados e com a colaboração de quatro membros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Ministério Público e apenas dois representantes do Congresso Nacional).

À evidência, a solução foi inteligente, tendo me colocado, de imediato, a defender tal poder correicional - mais eficiente e descorporativo da magistratura -, que poderia agira originária, concorrente e simultaneamente às corregedorias ou conselhos de cada Tribunal.

Aliás, o artigo 103-B, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, declara que a sociedade pode reclamar diretamente ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A experiência dos primeiros anos, sob a presidência dos ministros Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes foi excelente, agindo o CNJ rigorosamente de acordo com a interpretação que dou aos dois incisos, examinando os casos originária ou concorrentemente e procedendo à revisão de ofício ou mediante provocação das decisões regionais.

Ocorreu, portanto, nos cinco primeiros anos de sua atuação, um desventrar de realidades que o povo desconhecia, demonstrando ao CNJ que se como disse a ministra Ellen Gracie em recente entrevista para a revista Veja, o Poder Judiciário é o menos corrupto dos três poderes, a corrupção também nele existe, com inúmeras condenações, aposentadorias compulsórias e afastamento de magistrados.

Sem saudosismos, estou convencido de que a imagem do Poder Judiciário de hoje não se aproxima àquela do período em que comecei a advogar, quando os magistrados falavam exclusivamente nos autos e os casos de corrupção - o que era raríssimo - escandalizava a todos os operadores do Direito.

Mesmo assim, concordo com a ministra Ellen Gracie que é o menos corrupto dos poderes, para isto tendo concorrido o CNJ, por exercer um trabalho purificador, destacando-se nele, atualmente, a figura severa, mas justa, da ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho.

Há em curso, todavia, um movimento para enfraquecer as funções do CNJ, entendendo que o órgão deveria examinar o comportamento ético dos magistrados apenas após pronunciamento de órgãos disciplinadores dos Tribunais, o que, de certa forma, desfiguraria a Instituição, pois ficaria à mercê dos Tribunais locais, exatamente contra cuja inércia foi criado o CNJ. Em outras palavras, a EC nº 45/05 perderia todo o seu significado.

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 28/08/2011, a professora Maria Tereza Sadek alertou para o problema. Creio que tem toda razão. Ou pode o CNJ originária, concorrentemente ou em grau de reexame analisar processos de condutas dos magistrados, ou, se não for possível, sua manutenção perderia sentido.

Fonte: Folha de São Paulo

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