A lei seca e o direito do cidadão-consumidor de se locomover

Por - Rizzatto Nunes

Abraham Lincoln disse que não se pode mentir o tempo todo, enganando todo mundo. Já Adolf Hitler dizia que qualquer mentira acaba entrando pela goela da multidão hipnotizada, por mais absurda que seja. Podemos acrescentar que, se alguma coisa for feita diuturna e rotineiramente com ares de normalidade, acaba sendo aceita por todos ou ao menos pela maioria como algo natural e, consequentemente, aceito como norma válida.

Os meios de comunicação batem tanto na tecla da chamada lei seca com suas numerosas blitzen que, aos poucos, as pessoas vão aceitando o fato como válido. Mas, a verdade é que, do ponto de vista jurídico, isso está longe de ser correto.

Veja-se o caso da atual e chamada lei seca e das ações praticadas contra a pessoa de bem. Esta é parada na via pública pela polícia, apenas e tão somente porque está dirigindo seu veículo. Pergunto: qual o elemento objetivo e legal que permite esse tipo de abordagem? Nenhum. Não há suspeita, não há comportamento perigoso, não há desvio de conduta nem manobra capaz de causar dano a outrem. A pessoa apenas está ao volante!

Há, apenas, o fato de estar dirigindo um veículo após ter saído de um estabelecimento comercial ou nem isso: apenas por estar passando naquele local naquele momento. Um mero acaso. Isto é, trata-se de uma circunstância corriqueira de exercício da cidadania. Nessas condições, a abordagem é ilegal. É abertamente ilegal.

Claro que uma abordagem seria legítima se, por exemplo, a pessoa entrasse cambaleando num veículo para dirigi-lo. Esse seria um dado objetivo válido, que geraria suspeita suficiente para a ação. Nesse caso, o policial é testemunha ocular e tem o dever de agir. Ou, então, se o veículo faz ziguezague na rua, é preciso pará-lo. Na verdade, se é para fazer blitz, então é muito mais simples manter policiais em cada porta de bar, danceteria, boate, discoteca, rave ou o que seja e impedir que o ébrio entre no veículo.

Estar dirigindo um veículo automotor não é, repito, fato jurídico de per si capaz de gerar o direito da autoridade policial exigir um teste - qualquer que seja ele - de que o motorista está embriagado ou ao menos ter ingerido álcool. Daí que, pedir que um motorista que não apresenta nenhum traço, nenhum comportamento suspeito de estar alcoolizado, que faça o teste do bafômetro é abuso de direito e, no caso, abuso de autoridade. Não importa quem seja o motorista.

Os acidentes com veículos automotores continuam acontecendo em índices alarmantes, com ou sem lei, como têm mostrado os meios de comunicação. (O problema envolve outros pontos: falta de educação, respeito ao próximo, disciplina para vida em sociedade, mudança dos padrões de consumo, limitação da publicidade e dos pontos de venda, como mostrei em meu artigo citado, o aumento da potência dos veículos etc.). Assim, se o indivíduo não está praticando nenhum delito, a autoridade fiscal ou policial não pode levá-lo preso. O crime pode estar sendo cometido tanto pela autoridade que lhe prende, como pela que não lhe solta. É possível, pois, processar a autoridade pelo crime de abuso.

Finalizo com uma ironia lembrada por meu amigo Walter Ego: "Enquanto cidadãos de bem são violados dirigindo seus automóveis, ladrões roubam e matam andando sobre bicicletas, como acontece, por exemplo, rotineiramente na cidade do Guarujá".
 
Fonte: Jornal Gazeta do Oeste, Postado em 2011-12-08 por OAB em Ação

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