Quando
uma empresa “rouba o tempo” do consumidor e apresenta reiterada conduta
displicente mesmo depois de tantos equívocos, sem se importar com mais
uma pessoa prejudicada, deve indenizar pelas horas que ele perdeu. Assim
entendeu o juiz
Eduardo Perez Oliveira, da Vara de Fazenda Nova (GO), ao condenar uma
operadora de telefonia a pagar R$ 7 mil pelas “horas perdidas” de uma
cliente.
A autora da ação disse que teve problemas todo mês
com a fatura, chegando a fazer 51 reclamações no serviço de atendimento
da empresa entre 2013 e 2018.
Empresária e dona de seis linhas, ela afirmou que os registros não
foram suficientes para resolver o caso. Já a empresa negou a ocorrência
de problema.
O juiz disse que não reconhece a tese de “perda de tempo útil” como uma inovação ou algo isolado. “Não
existe mais uma modalidade de dano moral (...) O que existe é um ato
que se configura como lesivo ao aspecto anímico alheio, a demandar
indenização”.
Ele afirmou ainda ser “difícil
encontrar adjetivo para falar de quem nos rouba o tempo, essa finitude
que por vezes dá minutos de vida aos recém-nascidos e mais de um século a
outros”, um “presente que é subtraído dia após dia, voluntariamente ou a contragosto”.
Por
isso, Oliveira citou uma série de personalidades para demonstrar a
importância do tempo, como Nelson Gonçalves, Renato Russo, Lupicínio
Rodrigues, Toquinho, Martin Heidegger, Carlos Drummond de Andrade,
Albert Einstein e Stepehn Hawking. Citou trechos de músicas brasileiras
até poetas estrangeiros, como Omar Khayyam.
"Música, Poesia,
Filosofia, Física, Religião, Cinema… não existe uma área onde o tempo
não esteja presente ou não seja fruto de reflexão. Mesmo a pessoa mais
bruta reconhece o significado da saudade, que surge com a passagem do
tempo e a separação daquilo que é caro", filosofou o julgador.
Ele
considerou que a companhia errou além do aceitável. Disse ainda ser
compreensível o fato de a cliente não ter trocado de operadora. Isso
porque, segundo ele, a empresa é a única que cobre a área da pequena
cidade com alguma efetividade. Assim, o juiz aplicou o artigo 186 do
Código de Defesa do Consumidor, que prevê indenização no caso de
omissão.
"No
caso da parte autora, além de pagar pelo serviço, perdeu seu tempo.
Instantes que poderia gastar com quem lhe é caro, com seu próprio
negócio, assistindo algo engraçado ou até mesmo amassando uma bolinha de
papel e jogando para cima. O tempo lhe pertencia para gastar como lhe
aprouvesse. Mas esses momentos foram subtraídos pela reiterada conduta
displicente da parte ré, que, mesmo depois de tantos equívocos, não se
importava com mais um consumidor prejudicado."
Tempo do magistrado
Oliveira aproveitou para criticar grandes empresas, por entender que elas têm o hábito de apresentar defesas burocráticas que consomem o tempo útil do magistrado, atrasando a prestação jurisdicional.
Oliveira aproveitou para criticar grandes empresas, por entender que elas têm o hábito de apresentar defesas burocráticas que consomem o tempo útil do magistrado, atrasando a prestação jurisdicional.
"Claramente
roubam o tempo do magistrado, que é curto e finito como de todos os
mortais desde Adão, em prejuízo dos milhares de processos que demandam
pronto atendimento. Nesse caso, porém, não há indenização, salvo as
sanções processuais", afirmou, acrescentando que "o tempo é sagrado,
embora tenhamos todos o hábito de desperdiçá-lo, acreditando haver um
amanhã".
Dever de indenizar
Sobre a necessidade de indenizar, o juiz discorreu sobre as possibilidades de errar na sociedade. Segundo ele, é natural se cometer equívocos, porém, não se pode considerar como algo normal ter que contatar a empresa prestadora de serviço todo mês para resolver problemas por ela mesma causados.
Sobre a necessidade de indenizar, o juiz discorreu sobre as possibilidades de errar na sociedade. Segundo ele, é natural se cometer equívocos, porém, não se pode considerar como algo normal ter que contatar a empresa prestadora de serviço todo mês para resolver problemas por ela mesma causados.
"O dano, isoladamente, não é de
grande porte, mas a sua reiteração ao longo de quase um lustro demanda
uma resposta significativa pelo acumulado período", concluiu.
Reportagem da ConJur
relata que, em São Paulo, pelo menos três câmaras do Tribunal de
Justiça (5ª, 19ª e 30ª) já aplicaram a teoria do desvio produtivo do
consumidor ao condenar empresas: conforme a tese, o tempo perdido pelo
cliente na tentativa de solucionar um problema que não deu causa lhe
acarreta dano indenizável.
Em quatro decisões recentes, o Superior Tribunal de Justiça confirmou o entendimento do TJ-SP para condenar fornecedores a indenizar pelos danos morais gerados com o desvio produtivo.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2018-mai-31/cliente-indenizado-horas-perdidas-reclamacoes
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