Verifica-se que é muito comum haver dúvida por parte dos
proprietários, inquilinos, imobiliárias, advogados e juízes sobre a
possibilidade ou não de se estipular livremente o percentual de multa em
cláusula penal moratória de um contrato de locação. Qual seria o limite
para a multa: 2, 10% ou não há limite legal? Sem a pretensão de se
exaurir o assunto, nestas poucas linhas, será exposta a interpretação
jurídica que se considera como a mais adequada para o limite da cláusula
penal em contratos de locação.
Primeiramente, o limite de 2% previsto no art. 52, § 1º, da Lei Federal nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor)
não pode ser imposto às relações entre locador e locatário. Isso se
deve pelo fato da relação locatícia não ser considerada como de consumo,
pois é totalmente regida pela Lei Federal nº 8.245/1991 (A Lei do inquilinato).
Esse é o entendimento que prevalece na doutrina e jurisprudência, de
forma que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, inclusive, editou a
súmula nº 61 sobre o assunto, que expressa: "É válida, e não abusiva, a
cláusula inserida em contrato de locação de imóvel urbano, que comina
multa até o limite máximo de 10% sobre o débito locativo, não se
aplicando a redução para 2%, prevista na Lei nº 8.078/90”.
Deve-se ressaltar que, à época da edição da súmula nº 61, ainda não vigorava o Código Civil
Brasileiro (CCB) de 2002, o que obriga os profissionais de direito a
interpretarem qualquer limite de multa por inadimplemento sob a luz da
nova sistemática trazida pelo CCB. Por esse motivo, em que pese a súmula
mencionada, pergunta-se, pode a multa ser superior a 10%? Acredita-se
que sim, pelas razões expostas a seguir.
O limite da multa contratual em 10% está previsto no art. 9º do Decreto Federal nº 22.626 de 1933 (a Lei de usura), que havia sido especialmente elaborado para regulamentar situações do Código Civil de 1916 e não do atual. Tanto é que o CCB de 2002 não faz nenhuma menção ao decreto, diferente da Lei do Inquilinato, a qual o CCB teve o cuidado de mantê-la em vigor de acordo com a remissão expressa do art. 2.036.
Em uma interpretação sistemática do Código Civil,
parece claro que o legislador, quando há necessidade, protege a
vigência de leis que considera compatíveis com o Código. Outro exemplo
seria a Lei Federal nº 6.404,
que trata das Sociedades Anônimas, cuja vigência foi mantida pelo art.
1.089: “a sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe,
nos casos omissos, as disposições deste Código.”
Caso análogo é o do Decreto Federal nº 2.681 de 1912, que regulava a responsabilidade civil nas estradas de ferro, e que foi revogado tacitamente pelo Código Civil,
uma vez que o Código disciplina tanto o Transporte de bens e pessoas
quanto a Responsabilidade Civil. Da mesma forma que o Decreto Federal
(decreto do Poder Legislativo) nº 3.708 de 1919, que regulava a constituição
de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, e que também foi
revogado tacitamente pelo Livro II da Parte Especial do Código Civil
(Direito da Empresa). Tudo isso nos leva a conclusão lógica da
revogação tácita do art. 9º da “Lei de usura” que determinava: “não é
válida a cláusula penal superior a importância de 10% do valor da
dívida”.
Alternativamente, mesmo que se entenda que o Código Civil não derrogou qualquer dispositivo da Lei de Usura, assim como o Código de Defesa do Consumidor, a norma não seria aplicável aos contratos de locação, uma vez que o art. 9º do Decreto 22.626 é aplicável somente para os contratos de mútuo (art. 1.262 do Código Civil de 1916)
e os contratos de locação são regidos por lei específica. Nesse
sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (vide Recurso
Especial 324.015/SP) e de vários Tribunais estaduais têm admitido a
fixação de multa moratória em patamar superior a 10% do valor do aluguel
(vide Apelações Cíveis nº 2008.001.09749, nº 2006.001.10270, nº
2003.001.29498, nº 2003.001.36084 e nº 2002.001.22529 do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro; Apelações nº 1054993-0/2, nº
1061978-0/0, nº 1101732-0/3 e nº 851997-0/4 do Tribunal de Justiça de
São Paulo).
Por fim, desde que a multa não ultrapasse o valor da
obrigação principal (art. 412 do CCB), índices superiores a 10% do
débito são válidos, pois nenhum percentual específico é ilegal, mas
poderá ser reduzido pelo juiz “se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do
negócio” (art. 413 do CCB). A atitude do legislador em evitar impor
limites para multas é a mais correta, pois, por um lado permite que as
partes tenham a liberdade de convencionar as penalidades e, por outro,
permite que qualquer multa possa vir a ser questionada judicialmente sob
a luz da proporcionalidade das obrigações, o que serve perfeitamente ao
princípio judicialista que o atual Código Civil adotou.
Fonte: Direito Net
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