CEF deve pagar danos morais e materiais a mutuários por deixar de repassar a construtora valores previstos em contrato
Em
recente decisão monocrática proferida no Tribunal Regional Federal da
3ª Região (TRF3), a Caixa Econômica Federal (CEF) foi obrigada a pagar
danos morais e materiais a mutuária prejudicada em razão de falta de
repasse de valores contratados a construtora, gerando atraso na entrega
de imóvel.
No contrato assinado entre um grupo de
mutuários e o banco, este se responsabilizou não só em conceder o
empréstimo para aquisição da casa própria, mas também pela entrega do
imóvel em prazo ajustado. Trata-se de uma modalidade de contrato com
vinculação de garantia de entrega de imóvel.
Próximo
à data de entrega do imóvel foi constatado o não cumprimento das
obrigações da construtora. A autora da ação, juntamente com os demais
condôminos, solicitou à CEF o acionamento do "seguro garantia", para que
a construtora fosse substituída, a fim de que ocorresse a finalização
da obra no prazo, mas a financiadora não tomou providências nesse
sentido.
As pessoas lesadas constituíram, então,
uma associação para viabilizar a cobrança na finalização e entrega da
obra. Um ano após o prazo previsto para entrega, a CEF atendeu aos
pedidos da associação e substituiu a construtora. A finalização da obra,
porém, foi interrompida por falta de repasses de valores do banco à
nova empresa.
Para sanar esta situação, os
integrantes da associação de condôminos fizeram rateios para angariar
recursos e finalizar a obra, o que ocorreu apenas em relação às áreas
particulares, tendo ficado pendentes as áreas comuns e a documentação de
regularização da obra.
A autora entrou com uma
ação contra a CEF, com um pedido de tutela antecipada, para impedir
qualquer cobrança ou constrição judicial e para que seu nome não fosse
incluído nos cadastros de proteção ao crédito e, no mais, o cumprimento
do contrato consistente no acionamento do "seguro garantia" para a
conclusão da obra, com multa pecuniária pelo descumprimento e condenação
pelos danos morais e materiais sofridos.
A
sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido, por entender que
não há como verificar o descumprimento contratual, já que as
contratações com a construtora e com a CEF seriam distintas,
limitando-se o banco a prover o mútuo hipotecário, sendo que a
fiscalização realizada pela instituição financeira fica restrita à
comprovação de execução da obra, para fins de liberação de recursos,
tendo a CEF a faculdade de notificar a seguradora, uma vez que
prevalecem as regras do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) sobre o
Código de Defesa do Consumidor.
Em seu recurso, a
autora pede a reforma da sentença alegando que a contratação em questão
tem garantia por "seguro entrega de obra", que visa conceder aos
interessados a certeza de conclusão de um empreendimento, não se
tratando de mera faculdade do banco acionar o seguro, uma vez que
assumiu a obrigação de financiar a construção e controlar o cronograma
de andamento, sendo que a sua conduta gerou danos morais e materiais.
A
decisão do TRF3 reconhece a responsabilidade da CEF nessa modalidade de
contratação: "tal situação é totalmente diferente de um contrato de
mútuo típico em que a CEF fornece financiamento para aquisição de um
imóvel comprado de uma construtora, onde a autonomia entre a compra e
venda e o financiamento é clara e evidente. Da maneira como foi
realizado o contrato (com vários contratos embutidos), impossível não
visualizar entre todos os contratos, entabulados em forma única, uma
autonomia bastante relativa na medida em que, inclusive, estão contidos
em um único instrumento, entremostrando, mesmo que na aparência, uma
interdependência perfeitamente condutora de permitir a pessoas simples,
como se mostra a clientela dos empreendimentos financiados pela CEF, de a
visualizarem, não apenas como mera agente financiadora, mas também
garantidora, pelo menos, da construção, afinal é sobre esta que se
sustentará a hipoteca".
De outra parte, a ausência
de término da obra é fato incontroverso, não negado pela CEF. Ao
substituir a construtora, foi celebrado um novo contrato, no qual, diz a
decisão, "foi acordado, ao que se depreende da cláusula XII, 4, que a
Caixa promoveria os devidos pagamentos à contratada com os recursos
oriundo dos financiamentos que se encontravam bloqueados, entretanto, a
obra novamente foi paralisada por falta desses repasses à nova
Construtora, o que gerou a presente ação, com o objetivo de impor à
Empresa Pública o cumprimento de sua parte contratual, de modo que no
caso em discussão a responsabilidade pelo não cumprimento do contrato
deve ser imputada inteiramente à Caixa Econômica Federal-CEF, por falta
de repasse dos valores devidos para a conclusão da obra, razão pela qual
não se vislumbra a responsabilidade das construtoras, nesse feito,
podendo a requerida se valer de direito de regresso contra as
construtoras, caso necessário. (...) foi demonstrado pelos documentos
juntados a fls. 66/67 que houve paralisação por falta de repasse da
Instituição Financeira (fato não impugnado na contestação), o que se
apresenta contrário ao próprio contrato pois que havia garantia da
construção no prazo acordado, em decorrência do Seguro (fls. 39,
cláusula vigésima, parágrafo primeiro)".
Com essas
considerações, o TRF3 reformou parcialmente a sentença para determinar o
pagamento de danos morais e materiais à autora da ação: "é claro que os
adquirentes de um imóvel fazem planos, projeções e esperam a entrega da
tão sonhada moradia, ao que uma demora inicial de um ano frustra,
desespera e aflige os contratantes, de modo que a persistência no
atraso, que se prolongou no tempo por dez anos, e diante de todo o
descaso da instituição bancária, a ocasionar dano moral que deve ser
compensado". Já o dano material resultou da conclusão da obra sob as
expensas dos mutuários e deverá ser apurado em liquidação de sentença.
No TRF3, a ação recebeu o nº 0022233-92.2006.4.03.6100/SP.
Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região
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