Emprego em alta não freia ações trabalhistas

Apesar da queda do desemprego para um dos níveis mais baixos da história, o número de reclamações trabalhistas na Justiça brasileira já chega perto de 3 milhões de ações por ano - média que não se compara a nenhum país.

Em 2010, foram abertos mais de 2,8 milhões de processos em todo o País, segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST). É mais que o total de postos de trabalho formais abertos no período, que atingiu o recorde de 2,5 milhões de novas vagas, de acordo com o Ministério do Trabalho.

São múltiplos os fatores que contribuem para essa sobrecarga de processos, a começar pela alta rotatividade da mão de obra no mercado brasileiro, o que gera milhares de ações de empregados demitidos.

Só no ano passado, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou quase 17,9 milhões de demissões. Contudo, o ritmo de contratações foi maior, de 20,4 milhões, resultando no saldo positivo de 2,5 milhões de vagas.

Entre os problemas, os especialistas apontam a legislação trabalhista, considerada anacrônica, detalhista e protetora do empregado. "O sujeito que já perdeu o emprego sabe que não vai sofrer consequência alguma se entrar com um processo na Justiça, ainda que reclame de má-fé, sabendo que não são devidos alguns pedidos", diz o advogado Márcio Magano, sócio da Bueno Magano Advocacia.

É diferente do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos. Lá, se o trabalhador perde a ação, tem de pagar todas as despesas da outra parte. "As pessoas pensam duas, três, dez vezes antes de entrar com uma ação", compara o advogado.

"Ninguém entra com processo trabalhista porque gosta ou porque não tem ônus", afirma o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique. "O ônus já aconteceu, na medida em que o trabalhador não recebeu seus direitos."

O sindicalista avalia que cerca de 70% dos processos que sobrecarregam a Justiça do Trabalho dizem respeito a direitos trabalhistas não pagos pelas empresas. "Estamos falando de horas extras, de salário igual para uma mesma função e de um conjunto de direitos que estão garantidos em acordos coletivos ou na própria lei, mas as empresas não cumprem."

O advogado Almir Pazzianotto Pinto, ex-ministro do Trabalho e do TST, diz que não é bem assim. "Existe o bom empregador e o mau empregador, mas não acredito que haja um número tão grande de violações como as que estão nesses processos." Ele argumenta que, diferentemente do que ocorre em ações civis, o pedido trabalhista nunca é único. "Ninguém entra na Justiça para pedir só aviso prévio."

Informalidade. O Brasil tem um potencial imenso de ações trabalhistas, na medida em que os trabalhadores informais, estimados em 32 milhões, e os chamados "PJ", têm uma relação estreita com empregador só enquanto estão trabalhando. Ao serem dispensados, vão à Justiça,

Ao onerar igualmente empreendedores desiguais, como microempresários e empresas de grande porte, a legislação contribui para a informalidade e o aumento de ações na Justiça.

Uma reforma da CLT que elimine as distorções sempre é lembrada, mas o debate costuma esbarrar nas divergências entre os representantes das empresas e dos trabalhadores. Os empresários querem retirar direitos e os trabalhadores defendem a manutenção da proteção oferecida pela Justiça do Trabalho.

Além disso, a Justiça amplia os direitos dos trabalhadores por meio de suas decisões. Há cerca de duas semanas, um cortador de cana obteve, na Justiça do Trabalho, o reconhecimento do direito ao adicional de insalubridade com base em laudo pericial que comprovou exposição intensa ao calor em níveis acima dos limites previstos na regulamentação da matéria.

Para o TST, a insalubridade não se caracterizou pela simples exposição aos efeitos dos raios solares, mas pelo excesso de calor em ambiente de elevadas temperaturas, em cultura em que sua dissipação torna-se mais difícil que em outras lavouras.

"Imagine se todo cortador de cana começar a abrir processo para adicional de insalubridade", diz um desembargador que pediu para não ser identificado. "Vai obrigar as usinas a acabarem de vez com o corte manual da cana, afetando sobretudo o pequeno agricultor, que não tem condições financeiras para mecanizar a colheita."

Justiça do Trabalho custa R$ 61,24 a cada brasileiro. Se o Estado resolvesse pagar todas as reclamações trabalhistas, sairia mais barato do que manter a estrutura da Justiça do Trabalho em funcionamento.

Em2010, a despesa foi de R$ 61,24 para cada brasileiro, 8,64% amais do que no ano anterior (R$56,37), totalizando R$ 11,680 bilhões.

Em igual período, foram pagos aos reclamantes R$11,287 bilhões, ou 10,3% mais que em 2009.

Os dados são do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e indicam que, mesmo com a arrecadação de R$ 3,137 bilhões decorrentes das decisões, o custo é alto.

O contribuinte sustenta uma enorme estrutura, com 1.377 varas e pelo menos um tribunal em cada Estado (exceto Acre, Roraima e Tocantins ), além do TST.

E os números vão crescer. A presidente Dilma Rousseff autorizou 68 novas varas do trabalho em São Paulo e 2 no Maranhão.

"Não será criando novas varas que se vai resolver o problema",diz o advogado Almir Pazzianotto Pinto. "Quanto mais botequim, mais pinguço – ou seja, a a fluência de processos aumenta."

Para Artur Henrique, da CUT, a atual quantidade de processos reflete a falta negociação no local de trabalho. Segundo ele, as empresas que têm comissão ou representação sindical enfrentam menos ações, já que boa parte dos conflitos é resolvida sem intervenção judicial.

Fonte: O Estado de São Paulo / Economia, B12, por Marcelo Rehder, 15.08.2011

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