A regulamentação de profissões

Tramitam na Câmara e no Senado 45 projetos de regulamentação de profissões que, em sua grande maioria, não exigem conhecimento técnico e teórico nem formação específica. Tais projetos, geralmente, resultam de reivindicações de associações de classe, às quais certos parlamentares atendem em busca de votos.

Na lista de "profissões" a serem regulamentadas, segundo esses projetos, as mais estapafúrdias são as de cuidador de idoso, cuidador de pessoa, lutador de "artes marciais mistas", instrutor de trânsito, bugreiro, ouvidor, gastrólogo, transcritor e revisor de textos em braile, guarda de guarita, lavador de automóvel e "guardador autônomo de veículos automotores" - que nada mais é do que o flanelinha, cuja atuação é tipificada como crime de extorsão ou achaque pela legislação penal.

Também fazem parte da lista as profissões de técnico de estocagem de produtos químicos e derivados de petróleo, comerciário, paisagista, agente de turismo, designer, representante comercial, garçom e maître, motorista e cobrador de ônibus, grafologista, corretor de imóvel, perito judicial, pesquisador de mercado, pesquisador de opinião, pesquisador de mídia, auxiliar de farmácia e drogaria, cozinheiro, ceramista, detetive particular, acupunturista, instrumentador cirúrgico, salva-vidas, técnico em radiologia, técnico de ótica, ortesista, protesista e compositor - além de analista de sistemas, historiador, físico, geofísico, arquiteto, engenheiro e agrônomo.

Seriam projetos apenas engraçados, se a regulamentação dessas profissões não acarretasse dois graves problemas, com perversas consequências sociais. O primeiro problema é o comprometimento do princípio do livre exercício profissional e a subsequente rigidez do mercado de trabalho.

Como impõem os mais variados deveres e responsabilidades para o exercício de funções bastante simples, a pretexto de regulamentá-las, tais projetos podem impedir, por exemplo, que trabalhadores dos setores secundário e terciário demitidos em períodos de crise econômica sejam rapidamente absorvidos pelo mercado de trabalho como, por exemplo, cobradores e fiscais de linhas de ônibus, porteiros e zeladores de prédio, vigias, garçons, vendedores de farmácia, oleiros e cuidadores de idosos.

O segundo problema é o aumento dos custos de determinadas atividades profissionais. Os projetos de regulamentação preveem, entre outras "conquistas trabalhistas", carga horária máxima de trabalho diário, pisos salariais e tratamento previdenciário diferenciado.

"Você dá um status na legislação para a profissão. A partir daí, você tem direitos e deveres consagrados", afirma o senador Paulo Paim, esquecendo-se de que esta elevação de "status" de algumas categorias pode acabar inviabilizando a demanda por seus serviços. Das 45 propostas em tramitação no Congresso, o parlamentar gaúcho é autor de 7.

Para os autores dos projetos, a regulamentação de novas profissões elevaria a formalização no mercado de trabalho, reforçando com isso a arrecadação da Previdência Social. Para alguns setores do governo, no entanto, esses projetos só criam problemas, uma vez que se sobrepõem a atividades já regulamentadas, dificultando ainda mais as inspeções do Ministério do Trabalho.

Para a iniciativa privada, as propostas de regulamentação de atividades que não requerem conhecimentos técnicos e não criam riscos à segurança e à saúde da população ou ao patrimônio público aumentam os custos de produção.

Para os especialistas, os projetos de regulamentação de novas profissões levam à formação de reservas de mercado em algumas áreas profissionais, privilegiando corporações e grupos organizados em detrimento dos interesses da sociedade. Para tentar frear a demagogia, em 2007 alguns parlamentares propuseram que as Comissões do Trabalho da Câmara e do Senado só acolhessem projetos de regulamentação de profissões que exigem conhecimentos técnicos e teóricos específicos. Infelizmente, porém, a proposta não foi posta em votação.

Fonte: O Estado de São Paulo, 04.10.2011

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