Afinal,
é possível ou não é possível ter animal de estimação em condomínio? Há
alguma Lei sobre o tema? É legal obrigar o transporte do animal somente
no colo? O cachorro do meu vizinho não para de latir, o que eu faço?
Quem deve limpar a sujeira? Etc.
É
perceptível que quando o assunto é animal de estimação as dúvidas são
as mais variadas possíveis, especialmente nos dias atuais em que há um
amento expressivo de famílias que possuem animais em condomínios.
Outrossim,
na esfera condominial, bastaria que nossa sociedade tivesse maior bom
senso e muitas discussões deixariam de existir, porém, como nem sempre
isso ocorre, vários são os litígios judiciais envolvendo o direito ou
não da permanência de animal em condomínio.
E,
quando há um litígio judicial, as discussões legais são mais complexas
do que se imagina, tamanha quantidade de artigos constitucionais e
legais que podem ser socorridos tanto em prol daqueles que são a favor
de animais como dos que são contra.
Porém,
com lastro nos entendimentos jurisprudências e histórico de decisões é
possível afirmarmos apenas duas situações: a) a manutenção de cão guia
sempre será permitida e b) nunca será permitida a manutenção de animais
que tenham comércio e posse proibida por normas específicas, excluindo
essas situações em todas as demais ter ou não animal dependerá realmente
do caso específico.
Já, na esfera judicial, sem prejuízo de outros dispositivos legais, frequentemente são invocados os seguintes artigos:
Art. 5ª, II da CF = “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”.
Art. 5ª, XXII da CF = “É garantido o direito de propriedade”.
Art. 1.355, I do CC/02 = “usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;”.
Art. 1336, IV do CC/02 =
“dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as
utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos
possuidores, ou aos bons costumes.”.
Art. 1.228 caput, §§1º e 2ª do CC/02 =
“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o
direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha.
- 1ºO direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
- 2ºSão defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.”.
Art. 1.277 do CC/02 =
“O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer
cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde
dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”.
Art. 19 da Lei 4.591/64 = “Cada
condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua
unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses,
condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar
as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos
demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das
mesmas partes por todos.”.
Art. 10, III da Lei 4.591/64 =
“destinar a unidade a utilização diversa de finalidade do prédio, ou
usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à
segurança dos demais condôminos;”.
Art. 1º da Lei 11.126/05 =
“É assegurado à pessoa portadora de deficiência visual usuária de
cão-guia o direito de ingressar e permanecer com o animal nos veículos e
nos estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo, desde que
observadas as condições impostas por esta Lei.”.
Além disso, há legislação específica sobre animais silvestres que podem ser consultadas no portal do IBAMA.
Assim,
ao analisarmos as decisões judiciais observamos que por mais que a
Convenção Condominial e/ou Regimento Interno proíba ou até permita a
posse de animais de estimação, quando da ocorrência de um problema
pontual, pode existir modificação do contido nas regras condominiais
pelo Poder Judiciário.
Por
exemplo, não é legítimo restringir a manutenção de animais simplesmente
pelo seu porte, pois há cães considerados de pequeno porte que possuem
contumaz desejo de latir e outros de espécies maiores que dificilmente
latem, e até mesmo o canto de uma ave pode ser algo extremamente lesivo
para o sossego dos demais vizinhos.
E,
quando permitido, algumas convenções e regimentos impõem regras para
manutenção extremamente excessiva e ilegal, por exemplo, obrigar que os
todos os cães usem focinheira é abusivo, vez que há norma, por exemplo,
no Estado de São Paulo, delimitando quais as raças caninas que devem
utilizar tal item de segurança (Decreto nº 48.533/04), portanto não há
como obrigar que um cão da raça Bulldog Francês faça uso de tal item de
proteção.
Até
mesmo a obrigação contida em algumas normas condominiais dispondo que
os animais, especialmente cães, deverão ser transportados somente no
colo é abusiva e, dependendo da situação, pode até ser considerada
humilhante e vexatória, podendo repercutir até na esfera criminal, pois
imaginemos um condômino idoso ou com qualquer outro tipo de dificuldade
que queira transitar com seu cão (mesmo daquelas raças consideradas de
pequeno porte) e é apenas permitida a locomoção em seu colo? Ora, se o
proprietário possuir alguma condição física limitadora não poderá
transitar com seu animal ou deverá ser uma tarefa de extrema
complicação?
Logicamente
que há abuso e violação de princípios legais mais “fortes” do que os
contidos na convenção e no regimento Interno e que deverão prevalecer.
Em
outra esfera, não é irregular a vedação de que os animais não
frequentem as áreas comuns, não sejam transportados pelo elevador
social, não ingressem no elevador quando já existir outros ocupantes ou
outras situações que visam apenas delimitar regras de convívio.
E
é para solucionar alguns percalços que vários condomínios estão criando
“cachorródromos”, que nada mais são do que espaços em que os animais
frequentam, fazem suas necessidades e o dono será o responsável pelo
recolhimento dos dejetos, situação que é regulamentada pelo regimento
interno.
Atitudes
assim atendem aos anseios dos proprietários de animais e estão em
conformidade com os entendimentos jurisprudenciais relacionados ao
assunto, senão vejamos:
JECCRJ-000174)
CONDOMÍNIO. CACHORRO EM APARTAMENTO. CONVENÇÃO E REGULAMENTO INTERNO
QUE VEDAM A POSSIBILIDADE DA PERMANÊNCIA DE QUALQUER ANIMAL EM
APARTAMENTO DO CONDOMÍNIO-RÉU. Inexistindo prova de que o cão da autora,
de pequeno porte, cause transtorno ao sossego, à saúde e à segurança
dos demais condôminos, não se justifica a imposição de retirá-lo.
Sentença de improcedência da pretensão autoral que se reforma. Recurso
provido. (Recurso nº 2001.700.008101-8, Turma Recursal do JECC/RJ,
Juiz(a) Gilda Maria Carrapatoso C. de Oliveira. j. 27.12.2001).
TJDFT-0189661)
APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO.
PERIGO NÃO DEMONSTRADO. RAZOABILIDADE. (Processo nº 2010.01.1.040183-9
(650384), 4ª Turma Cível do TJDFT, Rel. Fernando Habibe. unânime, DJe
05.02.2013).
“APEL.
Nº: 9103208-66.2008.8.26.0000 – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO
DE MULTA COMINATÓRIA. CONDOMÍNIO QUE PRETENDE O CUMPRIMENTO DE REGRA
PREVISTA NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL. PROIBIÇÃO GENÉRICA DA PRESENÇA DE
ANIMAIS. NÃO DEMONSTRADO QUALQUER INCÔMODO. CONFIGURADO CERCEAMENTO
INJUSTIFICADO AO LIVRE USO DA PROPRIEDADE. RECURSO PROVIDO”.
“Agravo
de Instrumento n.º 0.158.000-84.2012.8.26.0000 Agravo de instrumento.
Obrigação de fazer. Retirada de cão da raça ‘Golden Retriever’ de
condomínio. Liminar deferida com a cominação de multa diária. Decisão
que se mostra precipitada. Requisitos para a antecipação da tutela que
não se encontram devidamente delineados. Hipotético risco à integridade
física dos moradores, com base no porte físico do animal, que não
autoriza a concessão da tutela. Ausência, sequer de indícios de prova,
de que o animal de estimação ocasionasse algum transtorno aos demais
condôminos ou interferisse no sossego e saúde dos moradores. Regras
estabelecidas na convecção condominial que não devem ser interpretadas
de forma absoluta. Manutenção do animal com os agravados, por ora, deve
prevalecer, sobretudo por se tratar de cão de raça reconhecidamente
dócil. Agravo provido.”
Destarte,
pelo exposto e considerando todos os direitos e deveres protegidos, e
que devem ser respeitados na relação condominial, temos que quando o
assunto é a permissão ou não de animais de estimação, salvo àquelas
situações em que há legislação específica, é perceptível que em todos os
demais casos será necessário averiguar qual a peculiaridade do caso em
discussão judicial.
Isso
porque, conforme demonstrado pelas decisões judiciais, a corrente
majoritária atual entende que apenas nos casos em que o animal refletir
em transtorno aos demais, ao ponto de perturbar o sossego (especialmente
pelo barulho), for agressivo e ameaçar à saúde pública é que estaremos
diante do caso de proibição da sua mantença no território condominial.
Mas, a espécie, a raça e o tamanho do animal não será o fator decisivo
para isso, pois o importante é o quão incômodo pode seu convívio com os
demais moradores.
É
por isso que em um mesmo condomínio pode ocorrer a autorização para
permanência de um cão da raça Pit bull, que não atrapalhe o sossego de
nenhum morador, e a determinação judicial para retirada de uma ave que
cante exaustivamente em horários “anormais”.
No
entanto, também é prudente registrar que, até por questões de saúde
pública, não é ilegal que a norma condominial exija que os proprietários
de animais apresentem ao síndico documentos comprovando que a situação
do seu bicho está regularizada (comprovante de vacinas).
Não
obstante tudo isso, logicamente que o abandono, maus tratos e outras
situações que interfiram na própria integridade do animal poderão ser
relatadas ao Síndico e/ou as autoridades competentes para que adotem as
providências necessárias.
Assim,
em caso de proibição, aplicações de multas ou restrições que o
condômino entender ser indevida em decorrência do seu animal de
estimação, o ideal é sempre tentar buscar solução amistosa com o síndico
e demais vizinhos e, em caso de insucesso, poderá encontrar no
Judiciário a resguardo para a mantença do animal consigo.
E,
da mesma sorte, os condôminos que se sentirem prejudicados em
decorrência dos transtornos causados pelo animal de terceiros devem
comunicar o fato ao responsável e aguardar a solução, inclusive com a
intervenção judicial.
Conclui-se,
portanto, que quando o assunto é a mantença de animal na unidade
condominial autônoma, não há como ofertar uma resposta autorizadora ou
proibitiva genérica, é necessário avaliar especificamente o caso, mas é
visível que o bom senso é sempre o principal fator para regular a vida
condominial, tanto que está presente nas decisões judiciais, que em sua
grande maioria considera ilegal a regra condominial que proíbe animal em
condomínio.
Fonte: http://alexandreberthe.com.br/animal-em-condominio-pode/
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