Trabalho distante, problemas próximos

A Lei n.º 12.551, aprovada no fim de 2011, pretendeu explicitar que o trabalho realizado a distância, inclusive por meios telemáticos, deve ser remunerado. Nada mais necessário. Afinal, todos os tipos de trabalho precisam ser remunerados. Apesar da sua boa intenção, a nova lei gerou inúmeras discussões.

O trabalho a distância disparou nos últimos 20 anos, com ou sem telemática, e sob formas variadas.

Há os que trabalham como autônomos mediante contratos de prestação de serviços, de modo contínuo ou intermitente. Estão nesse caso os que desenvolvem atividades em casa, no transporte, no hotel - enfim, anywhere.

Uns fazem cálculos de estruturas de concreto; outros, criam sistemas de informática. Há os que traduzem textos, costuram roupas, editam vídeos, compõem músicas, montam planos de viagens, enviam e-mails e outros que formam uma gigantesca rede de trabalhadores a distância. Por não terem vínculo empregatício, a Lei n.º 12.551 não os alcança.

Eles são remunerados com base em contratos de prestação de serviços que firmam com os seus contratantes. Nesse ponto a lei é clara e se aplica apenas aos que têm vínculo empregatício - quando há subordinação, pessoalidade, onerosidade e habitualidade.

Mas aqui também há variações. São comuns os casos em que a atividade do empregado é realizada sempre em casa ou em plataformas de trabalho, ainda que vez por outra ele compareça na sede do empregador. Para eles, a jornada e a remuneração são definidas nos contratos individuais de trabalho ou em acordos e convenções coletivas.

Os casos mais complexos ocorrem quando o empregado trabalha na empresa e é acionado após a jornada normal por meios diversos, inclusive telemáticos. Alguns são mais claros do que outros. Por exemplo, é evidente que o profissional que fica online com seu chefe durante várias horas e após a jornada normal deve receber pelo que faz.

Mas, como a lei não define as regras de anotação de tempo trabalhado, as condições de trabalho ou o valor de remuneração, há muitos casos obscuros.

Será que uma simples pergunta que é respondida com uma frase (por telefone ou e-mail) justifica a cobrança de hora extra? O bom senso diz que não. Todavia, o que dizer se essas perguntinhas forem feitas de hora em hora, nos fins de semana ou durante as férias?

Como tratar o caso do empregado que, após a jornada normal, gasta três horas no computador em casa fazendo um curso para o seu aperfeiçoamento profissional e de utilidade para a empresa? Como o curso interessa às duas partes, não seria lógico ser remunerado pela empresa? Haveria um rateio do tempo?

A lei não detalhou essas regras nem poderia fazê-lo em razão das peculiaridades dos setores de atividade, das profissões, dos cargos, dos horários, etc. O que serve para os profissionais de Tecnologia da Informação não serve para os enfermeiros, para professores, jornalistas ou estivadores, e assim por diante. Nenhuma lei tem condições de abranger todas as formas de trabalho no mundo atual.

Por isso, teria sido muito mais eficaz se o legislador tivesse estabelecido que, "no caso dos empregados, as regras para remunerar o tempo do trabalho exercido a distância, inclusive por meios telemáticos, serão definidas nos contratos individuais, nos acordos e nas convenções coletivas".

Na fixação dessas regras as partes teriam liberdade total para usar e abusar dos detalhes. E, no caso de impasses, os magistrados teriam sobre a mesa as regras estabelecidas pelas próprias partes (um excelente guia!) para orientar o seu julgamento.

Mais uma vez os parlamentares usaram de suas atribuições para aumentar a insegurança jurídica, deixando um verdadeiro "abacaxi" para a Justiça do Trabalho. Os magistrados serão desafiados a praticar uma complexa esgrima mental para chegar a um ato jurisprudencial que estabeleça regras homogêneas para situações tão heterogêneas.

(*) professor de relações do trabalho da FEA-USP, é presidente do conselho de emprego e relações do trabalho da Fecomércio.

Fonte: O Estado de São Paulo, por José Pastore (*), 31.01.2012

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