As diversas vias legais de cobrança de cheques


A legislação brasileira não possui uma definição expressa do cheque. Contudo, a partir do disposto na Lei 7.357/85, o cheque pode ser definido como ordem de pagamento à vista, em favor próprio ou de terceiros, sacada contra um banco ou instituição equivalente na qual o emitente tenha fundos disponíveis.

No caso de o cheque ser apresentado ao banco sacado e não haver êxito por parte do portador em receber a quantia expressa no título recebido, este dispõe de diversas vias legais de cobrança, tanto judiciais quanto extrajudiciais.

A cobrança judicial do cheque pode ocorrer através de processo executivo, vez que o cheque é título executivo extrajudicial previsto expressamente pelo artigo 585, inciso I, do Código de Processo Civil. No caso do cheque haver prescrito, outras ações têm cabimento, como a ação monitória, a ação de locupletamento sem causa e a ação de cobrança, de acordo com as características da situação, pois a prescrição do cheque impede o ajuizamento do processo executivo, mas não retira o direito de crédito que ele representa.

O fundamento da ação do locupletamento ilícito ou sem causa é o enriquecimento sem causa do emitente ou outros obrigados em detrimento do credor, em razão do não-pagamento do cheque. Pressupõe a preexistência de uma ação cambial, desonerada em razão de decadência ou prescrição, e a relação de causa e efeito entre o prejuízo do portador da cambial e o enriquecimento do réu.

A ação de cobrança é ação causal, baseada na inexecução do negócio jurídico que originou o título, sendo essa a causa de pedir do credor. O cheque não pago representa apenas de indício de prova da dívida. Seu prazo de prescrição de 10 anos é estipulado pelo artigo 205 do Código Civil.

Com o advento da Lei 9.079/95, há a possibilidade de proposição da ação monitória, incluída através do artigo 1.102a no Código de Processo Civil. Trata-se de processo de conhecimento, de rito sumário, que tem por objetivo conferir executividade a um título que não a tenha, mas represente prova escrita suficiente ao estabelecimento da demanda.

A jurisprudência confirma reiteradamente o reconhecimento de cheques prescritos como meio hábil para a propositura da ação monitória, especialmente quando os títulos foram emitidos menos de dois anos antes do ajuizamento da ação, quando é de se observar o disposto na Lei 7.357/85, que estabelece que a ação do credor pode se basear, exclusivamente, no fato do não-pagamento do título, ante a configuração de locupletamento injusto do devedor.

Não bastasse o entendimento predominante da jurisprudência nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de se admitir como prova hábil à comprovação do crédito vindicado em ação monitória cheque emitido pelo réu, cuja prescrição tornou impeditiva a sua cobrança pela via executiva, ao editar a Súmula 299, que dispõe: “É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito”.

Sendo assim, se os títulos que fundamentam a ação monitória preenchem todos os requisitos necessários à propositura da ação e foram emitidos há menos de dois anos, embora tenham deixado de ostentar executividade, ainda permitem o manejo da ação de natureza cambial regulada pelo artigo 61 da Lei 7.357/85, dispensando a demonstração da causa subjacente do negócio.

Do contrário, nenhuma razão assistiria à existência do procedimento monitório, pois ele em nada se diferenciaria de uma ação ordinária de cobrança. Entretanto, o artigo 1102-a, do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei 9.079/95, teve por objetivo exatamente a criação de um procedimento intermediário entre o processo de conhecimento e o processo de execução.

Assim, a natureza jurídica da ação monitória é de uma ação de conhecimento, condenatória, com procedimento especial de cognição sumária e de execução sem título. Assim, pode-se dizer que o documento em que se funda a ação monitória deve revestir-se de verossimilhança, de tal forma que lhe confira a natureza de prova pré-constituída razoável, assim como ocorre nas ações fundadas em cheques prescritos emitidos há menos de dois anos.

Desse modo, em se tratando de procedimento monitório, cujo objetivo está circunscrito à constituição de um título executivo por um caminho mais célere que a da ação ordinária de cobrança, valendo-se do juízo da verossimilhança e servindo-se de uma ação sob o rito sumário, mostra-se despicienda a instrução da petição inicial com a demonstração da causa subjacente dos títulos que aparelham a demanda.

Assim, ao instruir a petição inicial da ação monitória, diferentemente do que ocorre na ação causal, não é necessário demonstrar a causa subjacente dos títulos que embasam a ação, cabendo ao réu o ônus da prova da inexistência do débito, nos termos inciso II do artigo 333 do Código de Processo Civil.

Fonte: Publicado originalmente em: GEWEHR, Mathias Felipe; GOMES, Daniela Vasconcellos. As diversas vias legais de cobranças de cheques. Jornal Informante, v. 188, p. 05-05, 23 set. 2011.

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